
Natural da cidade de Feira de Santana, Ireuda Silva conseguiu um grande feito: ser eleita como uma das vereadoras mais bem votadas de Salvador, com 11.888 votos, na última eleição. Radialista por formação, palestrante e presidente fundadora do Grupo Mulheres Notáveis, que realiza ações sociais em comunidades carentes de Salvador, ela começou a descobrir a política ao se engajar em trabalhos de assistência social. Mulher, mãe e negra, Ireuda foi eleita vereadora para o primeiro mandato pelo PRB e ocupa uma cadeira na Câmara de Vereadores onde integra a bancada evangélica no Legislativo Municipal. Suas lutas permeiam a participação popular, a representatividade de mulheres, minorias étnico-raciais e o apoio às ações sociais e aos movimentos populares. Ireuda, que hoje assume um protagonismo ao ocupar atualmente um espaço no campo político no legislativo, fala nesta entrevista ao TV Servidor sobre sua trajetória na política, sobre o mandato na Câmara Municipal de Salvador, os projetos em andamento e a necessidade de uma maior ocupação, participação e engajamento das mulheres na política.
Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida pela vereadora Ireuda Silva ao TV Servidor:
TV Servidor – Vereadora, conte-nos a sua trajetória de vida. Como foi seu primeiro contato com a política? E porque decidiu ingressar na política?
Ireuda Silva – A minha trajetória de vida. Eu vim de uma família simples, humilde, sou natural de Feira de Santana e, por motivos pessoais, eu acabei vindo morar em Salvador. Eu vim de uma família com seis irmãos, hoje vive só cinco e, por motivos pessoais, eu tive que vim para Salvador e enfrentar a vida. Como mulher e ainda negra, há muito que se enfrentar no tocante às dificuldades e comigo isso não foi diferente. Eu passei por vários processos na vida, de chegar a ser uma empresária bem sucedida e descer todos os degraus e recomeçar de baixo e quando eu falo de baixo, é de baixo mesmo e tive a necessidade de me reinventar, porque não havia espaço para mim nos espaços de poder, porque eu fui criada dentro de uma família humilde que nunca passou necessidade, mas também não tinha uma expansão no âmbito social e, por isso, eu tive que me reinventar vindo de uma falência. Eu fui procurar emprego e fui rejeitada por ser mulher, fui tida como incapacitada. Sou radialista de profissão, mas isso não foi uma coisa fácil pra mim não. Eu cheguei em uma empresa para começar de asssistente e fui rejeitada primeiro há 17 anos atrás onde colocaram que eu era muito velha para conseguir aprender a profissão de assistente de estúdio, uma coisa tão simples de se executar. Eu sempre fui uma pessoa com uma auto estima bastante elevada, pois um não como resposta para mim tem que ter um motivo muito grande e, com isso, eu não aceitei, partir pra outra, comecei a trabalhar nesse espaço e cresci dentro dessa empresa e sair de lá como uma coordenadora. No âmbito político, eu nunca tive o pensamento de ingressar em política, eu sempre trabalhei com o social. Trabalhei 12 anos consecutivos com jovens em situações de vulnerabilidade social envolvidos com drogas. Foram 12 anos de dedicação na minha vida por vocacão, não porque eu ganhasse alguma coisa, mas porque eu entendia que eu tinha que fazer e que eu tinha que contribuir para a sociedade e devido a esse trabalho é que eu entendo que veio a pedido das pessoas. Eu fui convocada para a política, não foi uma inclinação minha. Acredito que devido ao trabalho social que eu vinha desenvolvendo com jovens, independente do sexo masculino ou feminino, isso foi o que fez o trabalho de Ireuda Silva notório no tocante ao social. Daí, veio a proposta para ingressar na política. A princípio, houve uma resistência da minha parte, mas depois me veio um entendimento de que é preciso ter voz, já que você quer ser o auxílio. Quando eu digo auxílio, digo que não se pode sozinho fazer nada. Eu entendi que era necessário e depois de uma resistência muito grande, eu entendi que havia essa necessidade, principalmente, quando eu comecei com os trabalhos dentro das comunidades e lhe dando com mulheres.

TV Servidor – Quando descobriu que esse era o seu meio de promover mudanças sociais? Qual o diferencial da senhora nesse desafio social e político?
Ireuda Silva – Eu vi a grande necessidade quando eu, dentro das comunidades, trabalhando com mulheres que, a olhos normais, eu entendia que era impossível elas se superarem. Eu atendia garotas de 18 anos. Eu chamo de garotas porque uma menina de 18 anos está começando a vida. Elas chegavam pra mim e diziam que não acreditava em si, que não acreditava mais em nada, que havia batido em várias portas, não havia conseguido nada. Mulheres de 40 anos. Eu me lembro que eu fui fazer uma palestra no bairro de Castelo Branco e uma mulher chegou pra mim e se intitulou dessa forma: eu sou um pano de chão. Isso mexeu muito comigo. Como é que o ser humano pode chegar ao extremo de se encontrar, de se achar dessa forma. Eu percebi que ali não era o suficiente e precisava de ter alguém que vinhesse lutar por essas mulheres. E foi dessa forma que eu comecei com os trabalhos de auto superação com palestras de superação que, em muitos casos, deu um resultado muito maior e de imediato do que tentar ingressar aquela mulher no mercado de trabalho. É o caso de você trabalhar com essa mulher e fazer ela entender que ela é a força e e a capacidade que ela tem e que todo mundo é igual e ninguém é melhor do que ninguém, cada um dentro das suas esferas, mas precisava fazer um trabalho desse nível com essas mulheres, e aí, foi onde eu realmente pude me encontrar.

TV Servidor – Qual é o sentimento de ter sido uma das vereadoras mais votadas?
Ireuda Silva – Eu vou dizer uma coisa. Em vez de ser um sentimento de orgulho, eu tenho um comprometimento muito grande por essa questão. São 11.888 votos de pessoas que acreditam e que esperam um retorno meu, um retorno de parceria, uma luta pela desigualdade social, em todos os sentidos. O sentimento que eu tenho é de responsabilidade e uma cobrança comigo mesma. Eu estou sempre dentro das comunidades, porque a maioria que acreditou em mim é carente. São pessoas que esperam um retorno. Eu estive em Itapuã há poucos dias, e uma mulher de quase 60 anos me procurou e disse assim pra mim: a senhora lembra de mim? Não. Ela disse: olha eu não votei em você, porque eu já havia feito um compromisso com um candidato que sempre trabalhou aqui nas comunidades, mas eu vi uma palestra sua e me levantar a ponto de hoje está fazendo uma faculdade, porque eu não acreditava em mais nada. Isso custa o que? Tudo. O que eu sinto e o sentimento que eu tenho é de responsabilidade e de dar retorno à essas pessoas.
TV Servidor – Quais são seus projetos prioritários hoje?
Ireuda Silva – Vamos começar pela União dos Baleiros. Em todos os meus trabalhos são parcerias. Estamos resolvendo uma audiência pública que vai ser realizada no mês de setembro justamente para discutir sobre esta reunião. Eu coloco como parceria porque você não pode tudo. Eu não posso chegar aqui como vereadora e querendo me colocar como uma heroína como se eu pudesse tudo. As coisas vão surgindo, vão vindo para o gabinete, nós vamos abraçando, realizando e as coisas vão acontecendo. Tudo é uma parceria.
TV Servidor – Qual o balanço que a senhora faz dos primeiros meses de mandato?
Ireuda Silva – Muito trabalho e muito retorno. Eu tenho trabalhado e todo o tem mundo tem visto isso, que não precisa nem forçar a barra para as pessoas verem que eu tenho trabalhado. E o resultado disso é o reconhecimento. As pessoas reconhecem que há trabalho, que eu tenho lutado e que eu, como vereadora, eu tenho feito a minha parte. Qual é a minha parte. Eu não posso executar, mas o poder de ir buscar, eu tenho o dever de está indo às secretarias e órgãos competentes para buscar o que a população precisa e é isso que eu tenho feito: a minha parte. A minha luta continuará sendo essa e nao tem como ser diferente. Eu não posso executar, porque o dever de executar não está comigo, mas sim o poder de buscar. Isso eu tenho feito, tenho estado no meio das comunidades, tenho buscado lutar com aquilo que vem as minhas mãos. Tenho buscado lutar e o meu mandato tem sido um mandato de trabalho, pois eu não posso colocar a mais do que isso, porque é o que tem sido feito desde que eu tomei posse, que é trabalhado, procurado ouvir e lutar pela comunidade e é isso que tem sido feito.
TV Servidor – Considerando esses primeiros meses de mandato, o que a população pode esperar da sua atuação na Câmara?
Ireuda Silva – É continuar trabalhando. Reconhecendo. Temos que reconhecer que o povo precisa. Não que você como eleito esteja dentro de um gabinete apenas para ouvir, mas que tem que sair para buscar. Eu tenho o dever de está indo às secretarias, aos órgãos competentes, buscar o que a população precisa e é isso que eu tenho feito. A minha luta continuará sendo essa e não tem como ser diferente. O povo precisa e você busca para poder atender a população. Eu sempre fui uma mulher de luta fora, e politicamente é da mesma forma. Nós temos uma Salvador que clama por justiça e por igualdade. Não falo somente por mim não, falo pelos 43 vereadores, a obrigação de estarem lutando para que essas necessidades venham ser supridas.

TV Servidor – Agora como vereadora, a senhora tem uma rotina, convive com outros vereadores que são majoritariamente homens. Gostaríamos de saber qual o papel fundamental do protagonismo da mulher negra dentro da Câmara com pessoas que tem ideias contrárias e a favor?
Ireuda Silva – Eu não tenho nenhum problema com isso, porque eu venho para defender aquilo que eu entendo que são ideais e que precisam ser defendidos. Não tenho problema com isso, porque o que precisar defender, independente de partido, independência partidária, independência e independente do qualquer coisa, eu vou lutar e buscar os meus ideais. Eu não tenho problema com isso.
TV Servidor – Se pudesse deixar um legado do seu mandato, qual seria?
Ireuda Silva – A de estar próximo daqueles que me apoiaram e de pessoas das comunidades e saber o que eles querem e o que precisam entender. Eles querem ser ouvidos. Eu ouvi uma coisa de um reporter uma coisas muito importante: quem é que atende primeiro a população é o vereador, pois é quem está mais próximo do povo, por que o deputado está em Brasília e está ocupado e distante com muitas coisas para resolver. Qual o legado? O legado é apoiar e abraçar essas pessoas e isso eu tenho feito. Aconteceu um fato há poucos dias de uma uma jovem chorando e eu perguntei o que ela tinha. Coloquei ela no carro, levei para o gabinete. Ela tinha bichos nos pés. Eu coloquei está jovem dentro do gabinete, demos banho. Eu não sei ela esperava que isso fosse acontecer. As pessoas que estão nessa situação entendem que ate nós temos medo delas. As pessoas costumam chegar até a mim e falar assim: vereadora Ireuda, você é a vereadora do povo! “É verdade, sou mesmo a vereadora do povo daqueles que me elegeram e é esse o legado que tenho pra deixar.

TV Servidor – Como é ser mulher negra no Brasil? Voce se orgulha pelo fato de ser mulher negra. Qual o impacto disso na sua atuação política? Como a senhora inspira outras mulheres a buscar participação política?
Ireuda Silva – É uma conquista muito grande para mim como mulher e negra estar e chegar hoje onde eu cheguei. É uma conquista está aqui, ter voz, poder clamar pelos seus. Eu não estou aqui falando de clamar unicamente pela população, mas também poder lutar contra a discriminação e o racismo explícito todos os dias. Não é tarefa fácil, é uma luta, é muito dificil. Em muitos casos, eu chego até dizer que até mesmo aqueles que são negros, por vim de uma cultura, outrora de que nós negros não conseguimos chegar a lugar nenhum, as vezes, até mesmo, o negro não acredita no outro, não é coisa facil, é tarefa muito difícil, mas eu estou aqui como exemplo e me considero hoje um exemplo para essas mulheres. Se eu pude, porque que elas podem? Podem sim com um direcionamento certo, agi de maneira correta e, mais do que tudo, ter força e vontade e acreditar em si mesma. Eu acreditei em mim e não depois dos que acreditaram, eu acreditei antes deles. Pra eles acreditarem em mim, primeiro eu tive que acreditar em mim primeiro. Eu, me sinto como uma âncora, abrindo portas, porque quando nós vemos negros legítimos, que são muito poucos dentro da Câmara. Quando eu falo de negro legítimo, eu falo de negro literalmente das unhas rochas, beiços rochos, do cabelo carapinha, é dessa forma que eu estou falando e são poucos, porque até aqueles que tem a pele morena e querem se intitular negros, é mais fácil, porque a própria sociedade não os encaram como negros, e assim, é fácil, pois eles poderiam passar pelas portas. É difícil pra mim. Outro dia mesmo, eu fui barrada na entrada da Câmara. Uma certa pessoa, eu não quero citar nomes, quando eu fui entrar, ela disse: se apresente, por favor. Aí, a outra foi e repeliu e disse: aí é a vereadora! Me desculpe, mas você não falou isso. Pra mim, a questão não era ter falado, a questão era ser negra, porque o lugar de negra é de secretaria do lar, porque agora mudou o título, é secretaria do lar. Então, não era para está ali como vereadora. Eu fui reprimida há pouco tempo para entrar na Câmara por uma funcionária nova e que ela chegou na recepção e quando eu fui entrar ela disse: a senhora tem que apresentar seus documentos e a outra pessoa disse: aí é a vereadora! Ah, mas você não havia me falado isso. A questão não era essa, a questão é o fato de ser negra e a oportunidade dela aqui não é como vereadora.
TV Servidor – A senhora tem feito uma grande diferencia nas comunidades. Como fazer a diferença na comunidade?
Ireuda Silva – Tem comunidades que eu fui que, às vezes, as pessoas falam o seguinte: essas pessoas estão aqui porque votaram nela e estão aqui para fazer bonito. Tem uma comunidade que eu posso citar, que é a comunidade Paz e Vida. Eu nunca fui lá para pedir voto, pois nem sabia que aquela comunidade existia, na verdade. Um dia, saindo com uma amiga que me convidou para visitar uma associação, eu conheci a comunidade Paz e Vida e vendo a necessidade daquela população, eu me voltei e me inclinei totalmente para poder lutar e buscar com eles. Pra você ter uma idéia, a situação lá é tão crítica que tem aí nas redes sociais fotos minhas quando eu estive lá pra fazer uma reunião com o pessoal e eu saí de lá desesperada, porque eu tenho pavor de cobra e o bicho invadiu a comunidade. Está ai nas redes sociais e que não é a primeira e nem a segunda vez. Eu já fui, voltei, volto e estou ali dentro daquela comunidade, porque eu me coloco no lugar deles. É simples assim. É só você se colocar no lugar daquelas pessoas. Às vezes, você não tem nem a condição de resolver aquele problema, mas ouvir já é um alívio de imediato. Eu me coloco na condição daquelas pessoas e, por isso, que eu sempre estou dentro das comunidades. Eu não conheço Salvador da janela do meu carro e nem da janela do meu apartamento, porque eu não moro em lugar nobre, mas eu conheço de estar ali, de ver, de conviver e de saber que a dor não tem tamanho.

TV Servidor – A senhora integra a bancada evangélica na Câmara Municipal de Salvador e faz parte de base do governo. Pelo fato de ser uma das integrantes da base do governo e uma das mais importantes aliadas ao prefeito ACM Neto, quais são as suas expectativas em relação a administração municipal?
Ireuda Silva – Primeiro, não existe essa coisa de aliada. Eu sempre uso o termo ‘parceria’, ‘trabalho’. Nós fomos eleitos e estamos na base do prefeito para apoiar porque ele tem feito um bom trabalho. É um jovem comprometido, temos que reconhecer isso. Ele deu uma nova identidade a essa cidade, merece o meu respeito, a minha inclinação e o meu apoio como vereadora. Isso não é só com palavras. Eu não posso chegar em uma tribuna ou até mesmo nesta entrevista e não enaltecer esse prefeito sem contribuir, eu não posso, mas buscar, levar e encaminhar, isso sim eu tenho feito. É um prefeito que tem uma sensibilidade, principalmente, para o social. Eu digo porque eu já o procurei. Eu fui bem ouvida, bem atendida, principalmente, com a questão do Paz e Vida onde ele por si só já tinha uma inclinação para o problema e outros fatos. A questão não é de ser aliada, a questão é de se reconhecer e se valorizar aquilo que se tem. Nós temos uma gestão que tem sido uma gestão de contribuição, de trabalho e de respeito com essa cidade. Então, vamos aplaudir.
Rafael Santana